Resolveu sair pra trabalhar. Como estava escuro, não sabia se estava atrasado; tinha o péssimo(?) costume de odiar relógios. Sempre acordou sozinho, adivinhava as horas com precisão de segundos. Ao ligar o automóvel, percebeu que o barulho estava diferente; olhou para o escapamento e viu a fumaça entrar em vez de sair. Engatou a primeira; e o carro andou, para trás.
Pegou a avenida, depois a marginal. Achava estranho, mas tudo parecia tão normal: todos os carros estavam andando de ré, os ônibus, as pessoas entravam por trás e saíam pela frente. Como se por toda sua vida fosse assim.
Ao chegar na fábrica de pregos, viu o fax que recebeu. Entrando no aparelho, e se enrolando na bobina. Em sua máquina, o mais absurdo: entravam pregos e saíam pedaços brutos de ferro.
O dia começou a clarear.
Cafés que, subitamente, entravam nas garrafas térmicas. O seu cigarro, começava pela bituca, acabava apagado, e ele o guardava no maço de novo. Então foi ao restaurante, hora do almoço. O mesmo self-service, a mesma hora: duas e quatorze. As pessoas tiravam a comida da boca e depositavam nos pratos, depois punham tudo nas bandejas, devolviam os pratos limpos e recebiam seu vale-refeição.
Achou nojento. Mas com ele não foi diferente. E parecia tudo normal.
De novo, trabalho. Mais pregos entrando, e lingotes saindo. Cafés voadores, desafiando a lei da gravidade. Canetas que se enchiam de tinta conforme se ia desescrevendo os papéis.Voltou pra casa. O carro não quis ir pra frente de novo. Sempre de ré.
Então viu, pela janela, o metrô, que passava por entre as duas pistas da avenida: em vez de ir, vinha. Esvaziando. Finalmente em casa, quando o despertador tocou ao contrário (ele odiava despertadores, mas a mulher insistia:"benzinho, emprego tá difícil, e se você perde a hora?") percebeu que era hora de dormir.
Mas não dormiu. Acordou. Para dormir, de novo, às vinte e duas horas do dia de ontem.
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