segunda-feira, fevereiro 28, 2005

sinergia

Quando eu digo que gosto de música, é a música que me agrada. Não importam os rótulos. Claro que tem que ter qualidade. Tendo qualidade, não importa se é rock, MPB, pop, zouke ou polka soviética.

A música tem uma influência forte pra caralho em mim. Eu sou meio viciado, assumo. Quem me conhece melhor sabe que são raras as vezes em que estou com a TV ligada; geralmente estou curtindo meus queridos CDs ou minha coleção de mais de 4000 músicas em MP3.

E pra quem sabe o que é, a música que te deixa com os cabelos do braço arrepiados quando você a ouve, praticamente te deixa tresloucado quando você a toca. Sim, instrumentos musicais têm uma certa magia. Quem empunha uma guitarra, um violão, um contrabaixo ou um par de baquetas acaba se fundindo com seu instrumento, e acontece uma sinergia sem igual. Uma fusão. Os dois, músico e instrumento, se tornam um só. Apenas um.

Como neste fim de semana. Onde eu, desavisado, fui a um bar numa bela noite de sábado para domingo, e a banda que tocava deu uma deixa para quem quisesse tocar. Como eu e meus amigos estávamos bem na frente, não precisamos atropelar muita gente para subir no palco e empunhar os maravilhosos instrumentos. A noite tinha uma temática, a musicalidade rock and roll dos anos 60 e 70. Neste momento ocorreu a fusão. Transformamos-nos, não apenas eu e a guitarra, mas todos que estavam no palco e seus respectivos instrumentos, em uma pessoa só. Uma pessoa fazendo parte da história. Mesmo que fosse para pouca gente. Mesmo que fosse por meia hora. Mesmo que fosse um instante infinitesimal na imensidão do mundo. Desfilamos nosso repertório perdido em ensaios de garagem de anos atrás. E até que nos demos bem. Ressurgiram os Beatles, The Zombies, The Animals, até o ativo Deep Purple deu o ar da sua graça baixando o santo naquela múltipla pessoa ensandecida, entre suor, acordes e latas de cerveja. E a receptividade das pessoas que nunca tínhamos visto. O elemento-surpresa. Os gritos. As palmas. A energia emanava de cada uma daquelas pessoas que estavam lá embaixo, subindo o viés do palco e transfundindo com a nossa. Tornando-se uma só. Uma só pessoa. Uma só energia, um só coração compassado nas batidas quatro-por-dois, nas escalas do contrabaixo elétrico e nos acordes distorcidos da Les Paul Studio.

Bons momentos são poucos, são rápidos. Mas são intensos. E são esses bons momentos as únicas coisas que a gente acaba levando dessa vida, sei lá pra onde. Mas levamos.

E são essas coisas, pequenas mas maravilhosas, que me dão cada vez mais vontade de continuar vivo.

*sinergia - propriedade de certos elementos que, quando são unidos, resultar em um novo elemento com características melhores e maiores que a soma de suas características individuais.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

saudosismo

Ontem foi aniversário de uma prima minha. Liguei pra ela pra dar parabéns e conversar um pouco. E isso nos fez lembrar uma história das antigas, que gostaria de compartilhar com vocês, meus leitores.
Quando eu era mais novinho, tinha a fama de ser boca-suja e briguento. Minha mãe conta que, quando aprendi a ler, saía na rua e lia em voz alta os palavrões pichados nos muros, pra todo mundo ouvir. Minha mãe ficava puta, mas meu pai dava risada. Talvez pela pseudo-aceitação de tal hábito pelo meu pai, eu me divertia falando palavrões e xingando os coleguinhas da classe. E minha mãe constantemente ia me buscar na diretoria da escola.Já o briguento, eu nem sei por quê. Mas eu vivia arrumando confusão com quem quer que fosse, desde jogo de bola até discussões em plena sala de aula. Talvez por gostar de ficar xingando os outros.

Naquela época, nossa casa era frequentada por amigos de meus pais, alguns parentes que só se vê em casamento e enterro e uns transeuntes. E por várias vezes eu ficava sob constante ameaça de ser trancado no quarto caso abrisse a boca ou ralhasse com alguém que nos visitasse. Principalmente quando nos visitava um casal de tios muito recatado; tios esses que são pais dessa minha prima. Essa minha tia era beata de igreja, o meu tio, obreiro da assistência social. Muito educados, mais ainda essa minha priminha que fez aniversário, que só usava vestidos de festa junina e ficava vermelha quando ouvia bad words. Uma vez mandei minha irmã pra puta que pariu na presença deles e minha mãe tacou um cinzeiro em mim.

Pois bem. Um belo dia foi aniversário dessa minha prima. Nove anos de idade, me lembro como se fosse 1990ontem. Tínhamos a mesma idade. Na casa dela, bolo, brigadeiro, enfeites de isopor, gêmeos vestidos iguais e tudo que uma festa infantil manda. Eu estourando as bexigas e querendo arranjar encrenca com meus primos, minha mãe me intima:

-Se fizer merda hoje vai apanhar que nem gente grande.

Tudo bem, mâmi. A festa transcorreu super bem até a hora do parabéns. Apagaram a luz, minha prima apagou as velinhas e todos bateram palmas. Um segundo de silêncio, ops, acho que queimou a lâmpada. Não acende.Um barulho.

-POF!

A luz, daquelas brancas tipo de hospital, demora a acender, mas acende.

Minha prima tava com a cara toda melada de chantilly. "Deram" com a cabeça dela no bolo, no meio da escuridão.
Ela olha pra mim e grita:


-Vai tomar no cu, seu filho da puta!

Nem deu tempo de fazer cara de santo, e nem de ver a cara de horror dos meus tios que achavam que sua filha era santa e iria oferecer a outra face. Só me preocupava em fugir dos meus pais. E acho que foi o dia em que mais corri na minha vida. E foi o dia em que meus tios decidiram não mais frequentar nossa casa por um bom tempo. E, também, foi o dia em que meus pais decidiram procurar uma psicóloga. Não pra eles, pra mim.

Há quinze anos atrás. Direto do túnel do tempo.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

respostas à altura

Uns dias atrás, em São Paulo. Minha irmã, se arrumando. Eu, esperando na sala. Tínhamos que estar do outro lado da cidade às 16 horas e já eram 15:45.

eu, gritando: "É por isso que o Brasil não vai pra frente. Porque tem gente lerda demais que demora pra fazer as coisas."

minha irmã, replicando: "O Brasil não vai pra frente por causa das pessoas impacientes que não sabem esperar o progresso."

Fiquei sem resposta.

terça-feira, fevereiro 08, 2005

eu sou malvado?

Às vezes eu tenho medo de mim mesmo. Medo do que eu posso causar na cabeça de certas pessoas.

Pensar é uma dádiva, um privilégio, eu digo e muita gente diz, até Descartes disse "penso, logo existo", certo? Mas o pensar traz loucura, insanidade, sociopatia, me afasta dessa tal sociedade, me faz rejeitar o sistema e o jeito que as coisas funcionam...e devido a essa eterna sociopatia e vontade de não aceitar as coisas como são, vivo assim, tentando mudar tudo (e mudando algumas coisas), criticando...

Já conheci pessoas, pelas minhas andanças por esse Brasilzão de meu Deus, que não tinham uma idéia própria. Viviam guiadas pelo que a sociedade quer, atendendo os anseios e as exigências de um sistema que te vicia na imagem e no consumismo, e vivendo nas aparências de uma pessoa "social", uma pessoa "aceitável". E, com algumas dessas pessoas eu conversei, comecei a expor meus pontos de vista sobre as coisas, sobre o mundo, sobre os usos e costumes das pessoas e toda essa moral hipócrita que nos rodeia. Algumas consegui influenciar para que se libertassem um pouco e começassem a pensar por si próprias, andar com as próprias pernas... e, depois de um tempo, vi essas pessoas cheias de questionamentos e dúvidas, rejeitando o modelo que antes aceitavam e não por que achavam "legal", e sim por um sentimento de inconformismo que foi sendo criado dentro delas. E percebi que, antes de todos esses questionamentos, antes de toda essa mudança, essas pessoas eram, digamos, mais felizes.

Será a felicidade um produto vendido em embalagens plásticas embaladas a vácuo nas estantes dos supermercados mesmo, tipo, sendo necessária a alienação pra conseguir a mesma? Será o consumo o sustentáculo dessa tal felicidade? Ou a felicidade não é nada disso, é algo que nós com nossas cabeças fechadas ainda não conseguimos visualizar?

Eu acredito na segunda resposta. Mas, será que isso é o bastante pra todas essas pessoas que, direta ou indiretamente, influenciei? Será que elas não estavam felizes o bastante com seu mundo fashion e regrado e vem um lazarento pra mostrar coisas difíceis de se alcançar?

Será que pensar, enfim, faz mal ou bem às pessoas? Será que não seria melhor deixá-las em seus mundinhos fechados, sem criticar, reclusas e pacíficas?

No fundo, o caminho entre perder o paraíso e ganhar visão é penoso, e no fim não tem um pote de ouro e nem TV a cabo. Mas a caminhada vale a pena.

Mas... e o resto do mundo?

por onde começar, é hora da alma vagar, por onde devo começar, por onde começar, você e eu debaixo dessa chuva, você e eu sozinhos, aqui... dead fish - iceberg (múltiplas interpretações, escolha a sua)